DiVersos nº28

A Ana Elisa Ribeiro um agradecimento especial

No poema «hoje acordei» (na página 147 desta antologia), Micheliny Verunschk termina assim um dos poemas do seu livro A cozinha de Buda:
mas é que hoje acordei
com a chuva chiando
na panela de tudo
Ao deparar com o último verso citado, pareceu-me que ele se ajustava bem ao que é esta antologia. Nela se reúnem 71 poetas do Brasil presentes na iniciativa Leve um Livro, que Ana Elisa Ribeiro nos apresenta três páginas adiante. Com Bruno Brum, Ana Elisa editou essa série ao longo de três «temporadas», 2015, 2016 e 2017. Se tivesse sido possível continuar, muitos outros poetas do Brasil, segundo ela, teriam dado origem a outras «temporadas», o que não está definitivamente ausente do campo dos possíveis. O título desta nota editorial, pedido de empréstimo a Micheliny Verunschk, dá bem ideia da plasticidade proteica do material poético aqui agrupado. Nesta antologia ferve, numa excelente sopa, uma enorme variedade de temas, referências culturais, sentidos e sentimentos. Não há aqui qualquer «mesmice», nenhuma monotonia de repetição de um mesmo estilo, maneira ou maneirismo, de assunto ou de ausência dele, mesmice que por vezes afeta a poesia de determinadas épocas em determinadas literaturas.

Páginas: variável (163 no nº28)
Preço: 10€
ISSN: 1645-474X

O que escrevi contrasta claramente com o juízo negativo que encontrámos algures, sem relação porém com o projeto que nos ocupa: «A poesia brasileira contemporânea se organiza em subculturas estéticas, cada uma com seu pequeno credo transformado em ortodoxia. É uma poesia que circula em frequências fechadas, destinadas à comunicação interna, entre pares. Deste verbo de guerrilha nasce a resistência e também a limitação de público de um género exigente.» (Miguel Sanches Neto, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, de 9 a 22 de maio de 2018)

Nada disso vemos nos 71 poetas aqui reunidos. Nada de pequenos credos, antes uma prolífica diversidade. Nada de encerramento numa circulação interna, já que os poemas que nela figuram foram recolhidos de uma invulgar iniciativa de abertura da poesia a toda a gente, senão única certamente rara em qualquer parte do mundo. Quanto à limitação do público, essa mesma iniciativa mostra que pode ser superada e chegar a muitos que nunca antes teriam pensado em ler livros de poesia. Além disso, a não popularidade da poesia literária escrita, no tempo atual, nada tem de especificamente brasileiro. Com raras exceções, essa é a situação da poesia em toda a literatura contemporânea, o que se deve talvez ao alto grau de complexidade da poesia de hoje, ao difícil acesso que resulta da frequente presença nela de referências algo herméticas para as pessoas comuns de instrução e conhecimentos literários medianos (e mesmo por vezes para as pessoas instruídas muito acima da média). Ao contrário do juízo mencionado, esta antologia testemunha que a poesia brasileira hoje transpira vitalidade e abertura. Quanto a guerrilha entre setores, se existe, Ana Elisa e Bruno conseguiram elegantemente ignorá-la, a todos incluindo numa pacífica convivência, lado a lado num projeto audacioso e que suscitou admiração em vários países.

Ana Elisa Ribeiro, com poemas seus incluídos no nosso n.º 24, de junho de 2016, chegou à DiVersos por via de Elisa Andrade Buzzo, que, há muito presença nas nossas páginas, tem encaminhado até nós, com regularidade, poetas novos do Brasil. Em julho de 2017, uma passagem de Ana Elisa Ribeiro pelo Porto permitiu que a convidássemos a falar sobre a poesia atual no seu país. Numa sessão promovida pela DiVersos e realizada na sede da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, Ana Elisa apresentou a coleção Leve um Livro, que agora resumidamente nos transmite como abertura a esta antologia.

O critério utilizado para a seleção dos textos baseou-se num compromisso entre as caraterísticas da DiVersos e as da coleção de origem. Nesta, cada poeta dispôs de 10 páginas de texto de um livreto em formato A6, com 16 páginas, de grafismo apelativo e imaginativo, criado por Tatiana Perdigão. Nalguns poetas predominavam nesses livrinhos poemas curtos ou mesmo muito curtos, noutros havia sobretudo poemas relativamente longos (tendo em conta a brevidade do espaço disponível), noutros ainda um misto de poemas mais longos e poemas mais curtos. Na presente antologia foram atribuídas duas páginas a cada poeta, e um mínimo de dois poemas. Esta última condição fez com que, em casos raros, um ou outro poeta ocupe um pouco mais de duas páginas. Note-se, no entanto, que uma breve nota biobibliográfica reduz ainda mais a dimensão das duas páginas afetas a cada um. No que diz respeito a essa biobibliografia, não nos foi possível em geral atualizá-la. Sugerimos ao leitor a possibilidade de encontrar alguma atualização na internet nos casos que mais lhe venham a interessar.

Estes condicionamentos, mais aqueles que já na DiVersos favorecem habitualmente o poema curto devido à nossa vontade de dar a conhecer num poeta alguma variedade de poemas, dificultaram a inclusão, nesta antologia, de poemas mais longos, embora nalguns casos estes tivessem que ser inseridos em exclusivo, já que o livro original não incluía poemas curtos. Por outro lado, alguns poetas estavam representados no seu livrinho, além de poemas de texto corrente, por poemas visuais e tipográficos, revelando uma ainda forte presença, na poesia brasileira atual, da tradição do concretismo, que foi fértil no Brasil, bem mais que em Portugal. Apesar das dificuldades que isso representou para a DiVersos, quisemos incluir alguns desses poemas, se bem que, infelizmente, em proporção razoavelmente menor do que aquela que tiveram na coleção Leve um Livro. Grande parte dos poemas, devido a todos esses condicionalismos, tiveram que ser selecionados pelo editor da DiVersos. No entanto, em quase todos os poetas, há um poema escolhido por Ana Elisa Ribeiro, coeditora e coorganizadora da série Leve um Livro.

Para os 71 poetas aqui reunidos vai a nossa saudação e o nosso agradecimento. Temos no entanto que lamentar a ausência de dois dos 73 que participaram no projeto Leve um Livro, Paulinho Assunção e Ricardo Aleixo, que, por razões independentes da nossa vontade, não foi possível incluir aqui. Recomendamos aos leitores que procurem conhecer a poesia de ambos na internet e decerto verificarão que é perfeitamente possível imaginá-los como se aqui estivessem também representados.

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